melhoria na justiça penal
Defensoria Pública do Paraná manifesta apoio à implementação do juiz das garantias, sob julgamento no STF
A medida busca exercer maior controle da legalidade da investigação policial e assegurar o respeito às garantias individuais da pessoa investigada ao designar um(a) magistrado(a) para atuar na fase investigatória e outro(a) responsável pela fase processual.
A Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) considera a criação da função do juiz das garantias uma iniciativa fundamental para aprimorar o funcionamento da Justiça penal no país. A instituição considera primordial a defesa desse instituto jurídico diante da retomada, nesta quarta-feira (21/06), pelo Supremo Tribunal Federal (STF), do julgamento da constitucionalidade do mecanismo, instituído pela Lei 13.964/2019, também chamada de Pacote Anticrime, e discutido em quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 6298, 6299, 6300 e 6305) na Corte.
A medida busca exercer maior controle da legalidade da investigação policial e assegurar o respeito às garantias individuais da pessoa investigada ao designar um(a) magistrado(a) para atuar na fase investigatória e outro(a) responsável pela fase processual, que contempla a instrução e o julgamento do caso quando este já tramita na Justiça. O juiz das garantias também contribui para uma maior imparcialidade da justiça, já que o(a) juiz(a) responsável pelo julgamento não tem contato com o caso quando ele ainda está na fase de investigação, e o(a) juiz(a) de garantias, por outro lado, não será o(a) responsável por julgar o caso.
A DPE-PR relembra que o juiz das garantias já é prática de sucesso em outras democracias, inclusive em muitos países da América Latina (como Chile, Uruguai e Argentina), e contribui para uma justiça mais eficaz e para um processo penal mais justo, beneficiando toda a sociedade. “Sempre que se fala em qualquer forma de limite ou controle à atividade policial e à investigação criminal, há uma série de resistências, mas essa é uma medida testada, amplamente debatida e, principalmente, aprovada pelo parlamento brasileiro”, ressalta André Ribeiro Giamberardino, Defensor Público-Geral do Paraná.
A figura do juiz das garantias, conforme propõe a legislação, seria responsável por atuar durante a fase do inquérito policial. Na prática, cabe a ela decidir sobre requerimentos de medidas cautelares, como determinar prisão provisória ou temporária de uma pessoa investigada; realizar o controle da legalidade de prisões em flagrante; autorizar o acesso da polícia ou do Ministério Público a informações sigilosas; e ordenar buscas e apreensões de documentos e objetos, dentre outras atribuições. A atuação do magistrado das garantias se encerra com a apresentação de denúncia pelo Ministério Público.
Já o juiz da instrução, que assume o processo após a denúncia e fica responsável pela fase de instrução e julgamento, teria um prazo de dez dias para reexaminar as medidas cautelares determinadas ou negadas pelo juiz das garantias.
O que dizem o CONDEGE e a ANADEP
Na última quinta-feira (15/06), a Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (ANADEP) defendeu, diante do STF, a constitucionalidade da Lei 13.964. Uma das críticas feitas ao juiz das garantias é a de que a sua implementação traria despesas extras ao Poder Judiciário. A ANADEP rebateu a crítica ao sustentar que não haveria aumento da carga de trabalho e necessidade de criação de novos cargos, uma vez que o acompanhamento da fase investigatória poderia ser feito por juízes de vara criminal.
Em junho de 2020, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revelou que quase um terço das comarcas e seções Judiciárias brasileiras possui mais de uma unidade jurisdicional com competência criminal. Além disso, onde não há unidade com competência criminal, seria possível que juízes(as) de outras comarcas competentes nas proximidades assumissem essa função. O estudo concluiu que apesar das diferenças regionais entre os tribunais, nenhuma particularidade compromete a implementação do juiz das garantias.
A ANADEP se manifestou perante a Corte na condição de amicus curiae – termo em latim que designa a participação de terceiros em processos de grande relevância para a sociedade. A associação está envolvida na discussão das quatro ADIs que questionam determinações previstas no Pacote Anticrime e que motivaram o julgamento atual no STF.
Em 2021, o Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (CONDEGE) já havia se manifestado a favor do juiz das garantias. Naquele ano, o então secretário-geral do Conselho, Rafson Ximenes, participou de audiência pública promovida pelo STF sobre a temática, e reforçou que a implementação significa um “marco civilizatório e um avanço necessário” ao contribuir para a imparcialidade do sistema de justiça e maior controle e eficácia das decisões judiciais.
Sancionado pelo então Presidente da República Jair Bolsonaro em dezembro de 2019, o Pacote Anticrime modificou diversos pontos da legislação penal e processual penal e foi responsável por instituir a figura do juiz das garantias no Código de Processo Penal (CPP). No entanto, o ministro Luiz Fux, relator das ADIs no STF, suspendeu a eficácia das regras da nova lei em janeiro de 2020.
Vantagens do juiz das garantias
O defensor público e Coordenador da Assessoria de Relações Institucionais e Tribunais Superiores da DPE-PR, Eduardo Pião Ortiz Abraão, argumenta que o instituto do juiz das garantias, além de constitucional, também é fundamental para garantir o devido processo legal. “No sistema acusatório, o papel de acusar compete ao Ministério Público, e a função de julgar deve ser exercida de forma independente e imparcial pelo juiz, permitindo que o acusado tenha acesso à mais ampla defesa. O juiz das garantias reforça e aperfeiçoa esse sistema”, comenta ele.
Desde a suspensão dos efeitos das regras do Pacote Anticrime, incluso o juiz das garantias, a ANADEP argumenta que a população que sofre investigação criminal, e principalmente a que já é alvo de uma ação penal na Justiça, representa, em geral, o público assistido pelas Defensorias Públicas do país. “Por consequência, haverá melhora na tutela dos direitos individuais dos investigados, bem como maior isenção da atividade jurisdicional na fase processual”, reforça o defensor público.
Soltura automática sem audiência de custódia
Outra medida do Pacote Anticrime em julgamento no STF e objeto de grandes discussões é a instituição da soltura automática das pessoas que não tenham passado por audiência de custódia no prazo de 24 horas após a prisão, conforme prevê a legislação. De acordo com Abraão, o modelo constitucional brasileiro prevê que a regra é a liberdade e que a prisão é exceção. Logo, a prisão em flagrante se torna ilegal sem a realização de audiência de custódia – o desrespeito a essa garantia, portanto, acaba por justificar a soltura automática.
“Como há privação da liberdade de locomoção, a necessidade de análise imediata das circunstâncias da prisão em flagrante é medida que se impõe ao Estado. Isso é necessário para que o sistema de aprisionamento seja compatível com o princípio da presunção de inocência e com o Estado Democrático de Direito”, conclui Abraão.